O surgimento de populações do Aedes aegypti cada vez mais resistentes a inseticidas tem comprometido o controle populacional do mosquito e se tornado um dos maiores desafios das autoridades sanitárias do Brasil. O mosquito fêmea é o principal agente transmissor de arboviroses como dengue, chikungunya, zika e febre amarela urbana. Destas doenças, apenas a febre amarela dispõe atualmente de uma vacina para controle de transmissão em larga escala. Fazer o controle vetorial é a principal estratégia na atualidade para atenuar o agravamento da crise epidemiológica decorrente dessas doenças. Uma das principais armas dos agentes de controle de endemias do Sistema Único de Saúde (SUS) para conter a população do mosquito é a aplicação de larvicidas em reservatórios de água fixos (caixas d’água, piscinas abandonadas, vasos de plantas) que podem conter as larvas de Aedes aegypti.
Diante do surgimento de mosquitos resistentes aos compostos larvicidas utilizados pelo SUS, uma equipe de pesquisadores, coordenada pelo professor Bruno Junior Neves, da Universidade Federal de Goiás (UFG), começa a desenvolver de forma inédita, novos compostos químicos mais eficazes, menos tóxicos, mais seguros e ecossustentáveis através da integração de ferramentas de Inteligência Artificial (IA) e ensaios experimentais. O pesquisador entende ser urgente a pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) de novos larvicidas. “Essa abordagem apresenta potencial aceleração da pesquisa, pois no campo da IA os computadores são capazes de aprender com dados experimentais de compostos disponíveis em bases de dados”, aponta Bruno Neves. Segundo o pesquisador, avaliar a atividade larvicida em Aedes aegypti e o perfil toxicológico de uma grande quantidade de compostos é insustentável tanto financeiramente quanto experimentalmente.
“Nossa intenção é que essas ferramentas sirvam como suporte para nos auxiliar a tomar decisões bem-sucedidas, ou seja, selecionar apenas os compostos mais promissores para avançar para outras fases da pesquisa (avaliação experimental), reduzindo os custos e o número de animais/experimentos na pesquisa. Poderemos identificar, ainda nas etapas iniciais da pesquisa, compostos ineficazes ou potencialmente problemáticos (tóxicos) que possam causar prejuízos à saúde humana e riscos ao meio ambiente”, explica o professor. Bruno Neves destaca que através dessa abordagem multiparamétrica, poderão ser priorizados compostos com padrão estrutural diferentes dos larvicidas cuja eficácia já é afetada com o surgimento de mosquitos resistentes, reduzindo o risco de resistência cruzada.
O pesquisador ressalta também que a priorização de compostos não tóxicos implica na redução do risco de intoxicação de seres humanos e animais, dada a possibilidade de ingestão de água de consumo tratada com larvicidas. “Outra característica inerente ao perfil ecotoxicológico desses produtos é a possibilidade de utilização dos mesmos em combinação com estratégias de controle biológico, como por exemplo, predação de larvas por peixes soltos em reservatórios de água”, diz ele.
O pesquisador explica que, uma vez concluídas as etapas de aprendizagem e validação, as ferramentas de IA serão utilizadas para simular experimentos com animais, incluindo o próprio Aedes aegypti, possibilitando a triagem virtual de milhões de compostos ainda não testados.
Ciclo do mosquito
No seu ciclo de vida, o Aedes aegypti apresenta quatro fases: ovo, larva, pupa e adulto. Em média, cada mosquito vive em torno de 30 dias e uma fêmea põe cerca de 100 ovos, de quatro a seis vezes durante sua vida, em locais contendo água limpa e parada. Bruno Neves destaca que, um ovo do Aedes aegypti pode sobreviver por até 450 dias (aproximadamente 1 ano e 2 meses), mesmo que o local onde ele foi depositado fique seco. “Se esse recipiente receber água novamente, o ovo volta a ficar ativo, podendo se transformar em larva, posteriormente em pupa e atingir a fase adulta depois de, aproximadamente, dois ou três dias. O mosquito fêmea quando não encontra recipientes apropriados (criadouros) pode voar grandes distâncias em busca de outros locais para depositar seus ovos”, ressalta o pesquisador.
Equipe e laboratórios
A pesquisa será desenvolvida no Laboratório de Planejamento de Fármacos e Modelagem Molecular (LabMol), localizado na Faculdade de Farmácia (FF) da UFG. A equipe do LabMol também é composta pela Profa. Dra. Carolina Horta Andrade, Dr. Rodolpho de Campos Braga (pesquisador associado), Dr. José Teófilo Moreira Filho (pós-doutorando), Dra. Joyce Villa Verde Bastos (pós-doutoranda), além de estudantes de doutorado, mestrado e iniciação científica.
O projeto ainda contará com a participação de uma equipe de pesquisadores do Laboratório de Interação Patógeno-Hospedeiro (LIPH) do Instituto de Ciências Biológicas da UnB, coordenado pela Profa. Dra. Izabela Marques Dourado Bastos Charneau, que conduzirá ensaios experimentais com Aedes aegypti. Além disso, o projeto terá a participação da equipe do Laboratório de Pesquisa em Toxicologia Ambiental (EnvTox) da FF-UFG, coordenado pela da Profa. Dra. Gisele Augusto Rodrigues, que ficará responsável pela condução de ensaios ecotoxicológicos em organismos não alvo.
PPSUS
O projeto foi um dos 20 selecionados pela Fapeg por meio da Chamada Pública nº 05/2020 – 7ª Edição do Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS). A pesquisa, que recebe o título de “Descoberta de inseticidas ecossustentáveis para o controle populacional de Aedes aegypti utilizando inteligência artificial” receberá investimentos no valor de R$ 126.230,00 que serão aplicados em custeio de bolsas de iniciação científica e mestrado dos estudantes envolvidos no projeto, em custeio de materiais de consumo como reagentes e insumos, e compra de equipamentos, explica o professor Bruno Neves.
O PPSUS é uma parceria da Fapeg com o Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Secretaria de Estado da Saúde (SES). O objetivo do Programa é fomentar e fortalecer pesquisas científicas, tecnológicas ou de inovação que tenham potencial para oferecer novos serviços e dar respostas a problemas prioritários de saúde enfrentados pela população usuária do SUS, fortalecendo a política nacional de saúde, melhorando os indicadores de saúde, aproximando a academia, a gestão pública da saúde e a sociedade.
“Acredito que esta edição do PPSUS transcenderá seu objetivo central para melhoria da qualidade da atenção à saúde. A proposta também terá um papel fundamental para fortalecimento da linha de pesquisa do LabMol-FF-UFG voltada ao uso de IA para a descoberta de substâncias bioativas e desenvolvimento de métodos computacionais alternativos ao uso de animais para avaliação toxicológica”, comenta o professor. Segundo ele, o LabMol foi pioneiro e atualmente é referência nacional e internacional nessa área.
O pesquisador ressalta ainda que, com a execução da proposta, será fortalecida a formação tecnológica de estudantes de cursos de graduação e pós-graduação nos cursos de saúde e áreas afins da UFG. “Atualmente, o estado de Goiás apresenta o segundo maior polo farmoquímico do Brasil, portanto é extremamente importante preparar profissionais habilitados para o desenvolvimento da Ciência Tecnologia e Inovação em Saúde (CT&IS)”, lembra o professor.
Bruno Neves ministra disciplinas no campo da Química Medicinal para estudantes de graduação da UFG. Nos últimos anos, ele e a professora Carolina Horta, também têm se dedicado à oferta de disciplinas de graduação e pós-graduação voltadas ao desenvolvimento e utilização de ferramentas IA e Quimioinformática para descoberta de fármacos e biotecnologia. “Nosso objetivo é que os discentes dos cursos de saúde e áreas afins também apresentem habilidades e competências para o desenvolvimento e aplicação de IA nas áreas de saúde e biotecnologia”, diz o professor.